“OS FUNDOS COMUNITÁRIOS ESTÃO A AGUDIZAR AS ASSIMETRIAS”
Terrenos a um cêntimo, com oferta do projecto e da taxa de licenciamento, e propinas do Ensino Superior pagas pela autarquia. Estas são algumas das apostas de Vimioso para atrair e fixar população. Em exclusivo, Jorge Fidalgo, presidente da câmara municipal deste concelho de Trás-os-Montes, aponta o que está a falhar na estratégia para o interior.
Num momento em que as grandes cidades portuguesas estão com um problema de habitação, Vimioso está a propor uma solução. Qual é?
Sem dúvida, já há algum tempo que implementamos um projecto de construção de loteamentos com terrenos a 1 cêntimo/metro quadrado, com projecto oferecido pela câmara municipal. Temos moradias tipologia T3, com pequeno logradouro, em que a única coisa que as pessoas têm de fazer é construir a sua casa. Pagam zero de licenciamento. Isto é fundamentalmente para jovens, mas estamos, neste momento, também a desenvolver outros loteamentos para, por exemplo, segunda habitação, a preços muito acessíveis. É esse o trabalho que estamos a fazer, porque percebemos que é por aí que podemos fixar pessoas, principalmente os jovens, que é quem nos garante uma sustentabilidade para o futuro.
Têm tido resultados?
Sim. No último loteamento que fizemos de 30 lotes, estão construídas 29 casas. Isto significa que há uma boa recepção.
São pessoas do concelho ou que vêm de fora?
São fundamentalmente jovens do concelho que vão tendo o seu auto-emprego ou até trabalhando por conta de outrem, mas permitindo que se fixem ali e constituam família. Isso é o fundamental. Para quem for do exterior, essas ofertas mantêm-se.
Quais são as fragilidades de um território como Vimioso?
A nível da escolaridade, ainda que estejamos próximos de Miranda do Douro e Bragança, não é compreensível que o 12º ano, sendo a escolaridade obrigatória, não possa ser frequentado em Vimioso. Esse é logo um handicap muito grande e do qual eu próprio fui vítima. Outra é a questão das acessibilidades. Não percebo como se planeia um território a nível das acessibilidades e se deixa dois concelhos Vinhais e Vimioso fora dessa rede de acessibilidades, sem qualquer IC, IP ou auto-estrada. É incompreensível e esperemos que essa fragilidade possa vir a ser corrigida.
Têm sido desfavorecidos, por exemplo, ao nível dos fundos comunitários?
Apesar de lhes chamarem territórios de baixa densidade, a participação comunitária para um investimento num território como Vimioso é praticamente igual a outros territórios. Logo, obviamente que este fica com mais dificuldade... Não gosto muito da expressão “interior”, nem baixa densidade porque, na verdade, é baixíssima. Não podemos estar a comparar concelhos com 150/200 habitantes por km2 com um concelho como Vimioso, que tem 9hab/ km2... Daí o chavão que nunca se concretiza: tratar diferente o que é diferente e igual o que é igual. Esse é um problema grande que nós temos, porque não falta vontade de investir nem projectos para os nossos territórios.
O que impede, então?
Muitas vezes, os fundos comunitários é que não estão devidamente orientados para este tipo de inves- timento. Sendo que os fundos comunitários são para criar proximidade e coesão, penso que o que está a acontecer, ao fim de tantos quadros comunitários, é que as assimetrias estão a agudizar-se cada vez mais. Não percebo como é possível olhar para o território e não ver que os fundos estão a aumentar as assimetrias em vez de as diminuir.
Enquanto câmara municipal, tem feito pressão nesse sentido?
Os alertas são mais do que muitos, o Movimento para o Interior vem novamente pôr o dedo na ferida... A verdade é que não somos praticamente chamados e, quando somos, é de uma forma muito superficial só para ficar no registo que houve uma reunião. Se fossem os decisores locais a tomar as decisões sobre a alocação dos fundos comunitários, esta seria completamente diferente. Quando se pensa um território, que, muitas vezes, muitos dos governantes não conhecem, a partir do Terreiro do Paço, obviamente que não pode decidir bem.
Poderia a regionalização atenuar essas situações? Chamem-lhe o que quiserem, regionalização ou outro. Enquanto não forem os actores locais eleitos di- rectamente pelo povo a tomar as decisões que consideram fundamentais para o seu território, as coisas vão continuar sempre mancas. Nenhum ministro e secretário de Estado foi eleito, não está lá com voto do povo. Até já nem elegemos o primeiro-ministro, descobrimos isso há pouco tempo. Portanto, os únicos que são eleitos directamente são o presidente da República e os presidentes de câmara. E quais são os poderes que os últimos têm nos seus territórios? Têm poderes mas não têm recursos para os exercer.E sou muito céptico em relação à descentralização, porque o que se pretende é dar responsabilidades sem dar meios de as exercer. Portanto, pode ser a regionalização ou outro nome, se regionalização é assim tão assustador, mas, fundamentalmente, o poder de decisão efectivo para cada território deve estar nos actores desse território. Isso é fundamental.
Com a tragédia dos incêndios no ano passado, terão ficado as estratégias para o desenvolvimento do interior mais focalizadas na zona centro?
Não tenho dúvidas e não tenho nada contra. Quando as pessoas vivem dificuldades, têm de ser socorridas e, infelizmente, os concidadãos desses territórios passaram por uma tragédia que tem, obviamente, de ser socorrida, e vamos ver quando será totalmente reparada. A população do nosso concelho juntou-se e uniu esforços e contribuiu, por exemplo, com muita alimentação para os animais dessas regiões.
Mas o trabalho para o interior ainda não é suficiente... Quem tem vontade de fazer, independentemente da cor partidária que represente, choca imediatamente com a resistência da parte daqueles que acham que investir em territórios com pouca gente é estar a desperdiçar fundos financeiros. Houve muitos recursos financeiros alocados para as regiões que foram, infelizmente, vítimas dos incêndios e obviamente que outros territórios, também frágeis acabam por ser indirectamente vítimas, no sentido de [que perdem] investimentos que ali poderiam ser feitos. Mas, quanto a isso, quando há um problema temos de ser solidários dentro do país. Tudo isto torna necessário pensar o próximo quadro comunitário. Há pouco tempo, foram apresentados os investimentos para o Portugal 2030 e o Norte não tem nenhum investimento estruturante. Isto quer dizer tudo. Não se pode continuar a falar de valorização do interior e, quando há dados concretos, fazer-se um esquecimento incompreensível daquilo a que se chama de interior.
Vimioso não tem ficado passivo e tem feito algumas apos- tas, certo?
Não temos ficado. Primeiro, a aposta nas pessoas que ali vivem. Estamos financiar a totalidade das propinas a cer- ca de 90% dos nossos alunos que estão no ensino superior. Isto é fundamental, porque os recursos das famílias são relativamente limitados e queremos dar uma força aos nossos alunos para que, mais tarde, percebam que a sua autarquia os ajudou e eles também podem vir a retribuir, se assim o acharem, não à câmara municipal mas ao território. Estamos a tentar potenciar aquilo que são os nossos recursos endógenos, desde as águas termais às raças autóctones, a excelente natureza com a magnífica biodiversidade, no sentido de atrair visitantes aos territórios e até investidores nessas áreas. Poderemos conseguir a criação de mais alguns postos de trabalho e a fixação de pessoas. Dentro em breve, se a auto-estrada Quintanilha, fronteira de Portugal, para Zamora ficar concluída, nós ficaremos também muito próximos de uma rede nacional e europeia que será fundamental para o nosso território.
Há lugar para uma estratégia smart?
Estamos a trabalhar muito nisso, pois hoje a população mais jovem e os empreendedores sabem que o sucesso dos seus investimentos faz-se por aí. Há já muito tempo que câmara municipal tem vindo a trabalhar na área do turismo, da identificação do território, das oportunidades, etc., e essa estratégia smart é fundamental para nós. Quando criamos um espaço de visitação de todo o território, estamos a apostar também nas tecnologias, mas também na área da ancestralidade e originalidade do nosso território e é isso que queremos “vender”, aquilo que é nosso, são as tradições, a forma sui generis de receber. Em Vimioso, quando se bate à porta, ainda se diz “entre”.
FILIPA CARDOSO Revista SMART/CITIES
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